Natasha Dow Schull, Universidade de New York (EUA)


Moderação Ana Viseu (IADE/UE - ICNOVA)





Natasha Dow Schull, antropóloga cultural e professora no departamento de Media, Cultura e Comunicação da Universidade de Nova Iorque, foi convidada pelo ciclo de conversas Dados & Nós a responder à questão: como é que o uso de tecnologias de auto-monitorização transforma a nossa identidade?

A apresentação assentou no mais recente projeto da autora: Keeping Track, um livro que foca o auto-rastreamento digital, uma prática na qual os indivíduos utilizam vários dispositivos para examinar e quantificar as experiências do dia a dia, através de métricas numéricas e dados estatísticos que se apresentam como um caminho para uma vida saudável.

O uso de tecnologias para a monitorização de pequenos atos consequentes da existência diária como o movimento físico, os hábitos alimentares, a maneira como gastamos dinheiro e até os níveis de stress, alertaram a investigadora para a mudança que ocorreu nos últimos anos em que estas tecnologias deixam de funcionar como bússolas e passam a fazê-lo como sentinelas, ou seja, uma trajetória em direção ao aumento da automação, reveladora de várias problemáticas do capitalismo digital.


Há muito que estamos familiarizados com dispositivos como relógios, balanças ou termómetros que ajudam a acompanhar os nossos processos corporais, mas na última década existiu um aumento dramático da auto-monitorização, já que os consumidores passaram a ter esses dispositivos e tecnologias ainda mais acessíveis através dos smartphones.

Natasha Dow Schull cita um apresentador de um painel na Expo 2015 que afirmava que o objetivo da auto-monitorização é a construção de um perfil, de uma imagem de tudo o que fazemos que influencia a totalidade das nossas escolhas: subir pelas escadas ou pelo elevador? Comer um hambúrguer ou uma salada? A partir destes dispositivos conseguimos ver como as nossas decisões impactam a nossa vida e consequentemente este processo é percebido como aumentando a nossa atenção e autoconhecimento.

No entanto, estudos dos últimos anos mostram que os utilizadores destas tecnologias de monitorização começam a sentir-se desencorajados e até mesmo esgotados com a observação constante e avassaladora de dados transformados em números de ’autoconhecimento’.

Surgem assim novas tecnologias que não se destinam a aumentar a perceção de padrões e ritmos, mas sim a guiar o utilizador. Por exemplo os relógios e pulseiras desportivas que emitem uma vibração quando permanecemos sentados ou no mesmo sítio por muito tempo ou os aparelhos de correção de postura, que se colocam no peito e que corrigem a nossa postura.

Um dos exemplos que a autora apresenta chama-se Hapi Fork e controla o ritmo a que comemos controlado os movimentos da mão e da boca. É um dispositivo que procura controlar não o que comemos, mas a velocidade a que o fazemos, emitindo vibrações e alertas quando o estamos a fazer depressa demais.

Então, que tipo de atenção é esta para a qual estamos a ser empurrados? Os dispositivos de monitorização que surgiram na década de 70 tinham como objetivo tornar explícitos os nossos dados fisiológicos para que pudéssemos compreendê-los, focar a atenção nos nossos processos internos e aumentar a nossa consciência. Hoje, o objetivo é diferente. Não existe nada nestes dispositivos que diga que não nos podemos sentar, utilizá-los como dispositivos de treino, sair de casa sem eles. Mas também nada nos diz que o devemos fazer e gera-se assim uma lógica de dependência.

Natasha Dow Schull cita também Leslie Ziegler que afirma que nos dias de hoje não queremos ser rastreados, queremos que os dispositivos façam coisas por nós, que exista um chip que possa ser colocado na nossa boca e que conte as calorias que ingerimos. São chamados dispositivos de sentinela, que permitem que os utilizadores permaneçam distraídos no seu dia a dia mas mesmo assim atentos aos próprios comportamentos.

Mais recentemente surgem até dispositivos que não realizam qualquer tipo de rastreamento, mas que são categorizados e vendidos como estes. Natasha Dow Schull dá o exemplo do Thync, um dispositivo que se coloca na testa e que emite vibrações calmas que nos ajudam a controlar a ansiedade e o stress ou energéticas que permite despertar os utilizadores para mais um dia de trabalho. Outro exemplo mencionado é o Sense Mother, que funciona através de sensores - chamados ‘cookies de movimento’ - que podem ser colocados no frigorifico, na garrafa de água ou até debaixo do colchão e que emitem alertas quando é hora de escovar os dentes ou beber água, sem nunca estarem conectados diretamente ao utilizador, fundindo-se na vida que já o rodeia.

Mas o que é que estes novos modos de introspeção e autoanálise revelam sobre os entendimentos do ‘eu’? Quem utiliza estratégias de monitorização valoriza as suas escolhas pessoais e o seu comportamento e quando compra estes dispositivos fá-lo com a certeza de que quer estar sujeito a esta monitorização. Ao mesmo tempo expressa o desejo de não estar no comando, de ter algo ou alguém que lhe diga como agir em prol das melhores escolhas possíveis.