Andrew Clement, professor Emérito na Faculdade de Informação da Universidade de Toronto, Canadá, foi convidado pelo ciclo de conversas Os Dados & Nós a examinar como a Aliança dos Cinco Olhos – EUA, Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia e Austrália – estabelecida no final da Segunda Guerra Mundial, utiliza a infraestrutura material da Internet para vigiar as atividades realizadas online e quais as implicações desta vigilância.
A Aliança dos Cinco Olhos funciona hoje como uma infraestrutura de informação global liderada pela Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA, exposta em 2013 por Edward Snowdenque divulgou publicamente informação sobre os programas e poderes de vigilância mundial conduzidos Estados Unidos.
Clement começou por apresentar os dois tipos de vigilância maioritariamente utilizados pela Agência de Segurança Nacional: o Downstream (conhecido antes de 2017 como Prism) que permite obter dados de empresas como a Google ou o Facebook, acedendo a e-mails, mensagens ou conversas em chats privados; e o Upstream que permite a recolha de dados através de cabos de fibra ótica à medida que a informação circula pelos mesmos.
A recolha destes últimos despertou alertas desde cedo. James Bamford, jornalista americano, anunciou em 1982 que a Agência de Segurança Nacional estava livre de restrições legais enquanto reunia capacidades tecnológicas que ultrapassavam o imaginável, e previa que a vigilância tecnológica ia continuar a aumentar, gerando cada vez mais informação e eliminando cada vez mais a privacidade. Andrew Clement acrescenta ainda que esta vigilância não representa apenas a perda da privacidade, mas também a perda de normas e instituições democráticas.
Sempre que visitamos um site, enviamos um e-mail ou utilizamos uma rede social, os nossos dados navegam pela Internet, passando por vários routers até chegarem ao destino. Mas como saber onde e como são captados estes dados? O IXmaps, projeto desenvolvido por Andrew Clement e uma equipa de especialistas em privacidade da Universidade de Toronto e da Universidade de York, permite um mapeamento interativo onde é possível visualizar as rotas que os dados percorrem pela Internet, com zonas de vigilância destacadas ao longo do caminho.
No caso do Canadá, Clement e a sua equipa descobriram que uma grande fração do tráfego doméstico passa pelos Estados Unidos, onde está sujeito à interceção da Agência Nacional de Segurança e onde não existem protecções legais nem constitucionais. Já no caso português, como o país pertence à União Europeia e está abrangido pelo RGPD – Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, existe uma maior segurança, mas que não é totalmente eficaz para evitar que os dados sejam intercetados pela Aliança dos Cinco Olhos.
Apesar de não existir uma receita milagrosa, Andrew Clement terminou a sua apresentação respondendo à questão: o que podemos fazer acerca disto? O investigador aponta que o primeiro passo é adotar individualmente mecanismos de autodefesa a partir da procura de informação – temos o exemplo do documentário Citizenfour de Laura Poitras -- ou a partir da instalação de mecanismos que contornem a recolha e o rastreamento de dados. No entanto, Clement argumenta que não devemos colocar o ónus no indivíduo, é necessário fomentar mudanças políticas que levem à criação e implementação de estratégias eficazes de regulação.