Lauren Bridges, Universidade da Pensilvânia (EUA)


Moderação: Sofia Ponte (IADE/UE - ID+)





Lauren Bridges, da Universidade da Pensilvânia (EUA), foi convidada pelo ciclo de conversas Dados & Nós a partilhar as suas reflexões sobre as atuais implicações de tornar os sistemas de videovigilância domésticos disponíveis nas redes e acessíveis às autoridades. A sua apresentação assentou no estudo de casa da Ring, uma sucursal da Amazon. Ring é um sistema inteligente de vigilância doméstica a que Bridges chama de “surveillant assemblage”, ou seja, um conjunto de métodos de monitorização que engloba videocâmaras, uma campainha, sensores de alarme, altifalantes, a aplicação e rede social Neighbors, acesso a uma “nuvem”, parcerias com esquadras de polícia e de bombeiros locais e ainda Alexa, a conhecida assistente de inteligência artificial.

No seu estudo Lauren Bridges problematiza as formas de comunicação do produto da Ring pela Amazon. Isto é, para a Amazon, a Ring é um dispositivo inovador de segurança doméstica inteligente e não tanto uma ferramenta de vigilância. Por exemplo, a Amazon utiliza termos como “agentes de segurança pública” ao invés de polícias ou de bombeiros para identificar e descrever as suas parcerias. Para a investigadora, uma das principais implicações que este sistema de videovigilância traz consigo é um efeito carcerário. A utilização deste dispositivo pode resultar num policiamento de limites, aleatório e indevido, que interfere com quem pode estar onde, e em última instância tornar-se numa ferramenta de exclusão de minorias. Isto é, pode num ápice orientar para o castigo, tal como as prisões.

O emparelhamento deste dispositivo à aplicação Neighboors possibilita também o acesso de autoridades locais (polícias) a conteúdos gravados e partilhados pelos utilizadores. Esta app tanto permite a publicação anónima de posts como acolhe pedidos de acesso à “nuvem” pelas forças policiais, sem qualquer tipo de mandado. Como todas as redes sociais, existe uma moderação dos conteúdos partilhados, que condena explicitamente o incitamento ao ódio, a caracterização racial e outras formas de preconceito. No entanto, isto não impediu que, em 2020, a categoria “suspeito” tivesse de ser retirada por estar mais frequentemente atribuída a membros de comunidades não brancas.


O uso quotidiano da Ring levanta vários problemas. Um exemplo que demonstra bem a fragilidade deste sistema e os seus limites reflectiu-se no pirateamento de uma câmara, que estava colocada no quarto de uma criança de oito anos, por um individuo que conseguia visualizar as imagens e falar através do microfone incorporado. Outro exemplo de invasão de privacidade ocorreu, em 2019, quando uma das sucursais da Ring, sediada na Ucrânia, utilizou imagens captadas nos Estados Unidos para etiquetar e treinar máquinas, sem o consentimento dos utilizadores. Uma outra preocupação recente está relacionada com a violência doméstica, já que a utilização destas câmaras pode ainda promover a vigilância abusiva e o controlo.

É certo que as câmaras de vigilância existem desde os anos de 1970, mas enquanto estes modelos gravavam e armazenavam os conteúdos num disco rígido, os modelos de vigilância que estão permanentemente ligados à Internet permitem aos utilizadores a transmissão de vídeo a partir de qualquer lugar e interruptamente. Para além disso armazenam estas gravações na “nuvem”, permitindo a divulgação de dados, promovendo o exercício de práticas de vigilância que de outra forma seriam ilegais. Segundo Lauren Bridges, a Ring actua como uma extensão da vigilância policial, em contextos que, de outra forma seria limitada pela proteção da privacidade e a constituição (no seu estudo dos EUA). Assim este sistema de videovigilância aparentemente inócuo, na verdade esbate a linha que separa o trabalho policial e a vigilância civil, transformando-o num informador humano ativo e em permanente ação.

Lauren Bridges, não tem reservas em afirmar que o sistema de videovigilância da Ring desafia os direitos civis e os limites de privacidade. Este sistema é muito mais do que campainhas com câmaras, é sobretudo o esbatimento de fronteiras entre o trabalho policial, a vigilância civil e a dependência ingénua de infra-estruturas digitais que escondem os reais interesses do(s) seu(s) proprietários. Numa escala global, a vigilância da Amazon levanta uma série de preocupações sobre a soberania nacional e a convergência do poder geopolítico e tecnológico.