Andra Siibak, Universidade de Tartu (Estónia)


Moderação: Cristina Ponte (NOVA FCSH - ICNOVA)





Andra Siibak, da Universidade de Tartu, Estónia, abriu o ciclo de conversas Dados & Nós respondendo à questão: de que modos crescer e estar sob vigilância digital marca a experiência de infância?

A apresentação assentou no livro Datafied Childhoods. Data Practices and Imaginaires in Children's Lives, escrito em co-autoria com Giovanna Mascheroni, da Universidade Católica de Milão, Itália. Publicada pela editora Peter Lang em finais de 2021, a obra examina as múltiplas formas pelas quais a dataficação, os algoritmos e a inteligência artificial transformam contextos das crianças, em casa, na escola e nas relações com os seus pares. Para as autoras, a dataficação não pode ser apenas vista como vigilância e monitorização dos cidadãos através do uso dos dados. Mais do que isso, é um resultado e uma intensificação da interrelação entre os media e a sociedade, de uma mediatização que se naturalizou numa “cultura de vigilância” e que está presente hoje, em tudo o que nos rodeia.

Esta primeira conversa, profusamente ancorada em exemplos do dia a dia, sinalizou essa mediatização da infância em várias dimensões, de que destacamos duas.


A mediatização da parentalidade ansiosa

Salientando que a dataficação da infância nas famílias é hoje visível através de dois desenvolvimentos simultâneos e independentes - a mediatização da parentalidade e a domesticação dos dispositivos online - Andra Siibak apresentou como a ansiedade parental se tem acentuado, principalmente em famílias de classe média, altamente preocupadas com o desenvolvimento e a segurança dos filhos.

Para compensar esta ansiedade, muitos pais recorrem a todo o tipo de tecnologias, no que se designa como parentalidade transcendente. Esta começa no exato momento em que descobrem que vão ser pais, através de aplicações para monitorizar a gravidez e pela consulta constante de blogs e redes sociais sobre parentalidade, numa procura de informação e de partilha que se prolonga depois do nascimento.

Uma dependência online e uma vontade de reconhecimento de que estão a executar bem o seu papel de pais leva também a que muitos comecem a partilhar o dia a dia dos filhos na Internet. Esta visibilidade torna-se muitas vezes um negócio, com retorno financeiro, colocando os filhos como produto e levantando sérias questões de privacidade.

Andra Siibak apresentou inúmeros exemplos da inovação tecnológica no campo dos dispositivos para bebés e crianças. Estes diversos gadgets prometem aos pais uma melhor educação e cuidado, desde berços automáticos, câmaras de vigilância que se ligam automaticamente aos telemóveis, fraldas que enviam notificação quando são necessárias trocas, calçado e vestuário com dispositivos de monitorização, que garantem que, mesmo à distância, os pais possam controlar todos os passos dos seus filhos, com sistemas de GPS e alerta incorporados.


A caminho de uma genómica educativa?

A investigadora chamou também a atenção para os modos como estes envolvimentos com a tecnologia estão cada vez mais presentes na área da educação, incorporados no dia a dia de escolas. Exemplos disso são o reconhecimento facial para identificação de alunos à entrada ou o uso de plataformas digitais com registo de dados individuais. Mas existem já sistemas de educação e de ensino onde, em nome da eficiência de gestão de aprendizagens, se recorre mais drasticamente à recolha de informação através da interpretação de ondas cerebrais ou de expressões faciais que permitem interpretar o envolvimento e concentração dos alunos nas matérias lecionadas.

Andra Siibak alertou para recentes desenvolvimentos da genómica educativa, ou seja, o uso do genoma humano e da neurociência educacional para o desenvolvimento de educações personalizadas, que no futuro permitirão às instituições escolares criar programas específicos com base nos perfis de ADN dos seus estudantes.


Questões em aberto

Todos estes pontos deixam reflexões: será que as infâncias dataficadas que se vivem hoje ditam um presente e um futuro dataficados, em que tudo é e será integrado sem questionamento? O que pode ou deve ser feito em termos de regulação pública e de consciencialização dos cidadãos? Como se equilibram os direitos digitais das crianças com as ansiedades parentais e com a procura de resultados de sistemas tão diversos como o tecnológico, o económico ou o educativo?